Leia Lucas 9.28-36
O evento descrito nestes versículos,
habitualmente chamado de “a transfiguração”, é um dos mais notáveis na
história do ministério terreno de nosso Senhor. É uma passagem que
sempre devemos ler com especial gratidão. Remove uma parte do véu que
permanece sobre as coisas referentes ao mundo por vir e esclarece
algumas das verdades mais profundas do cristianismo.
Primeiramente, esta passagem nos mostra algo da glória que Cristo terá em sua segunda vinda.
Somos informados que “a aparência do seu rosto se transfigurou e suas
vestes resplandeceram de brancura”; e os discípulos que estavam com Ele
“viram a sua glória”.
Não devemos ter dúvidas de que esta
maravilhosa visão aconteceu com o propósito de encorajar e fortalecer os
discípulos de nosso Senhor. Eles tinham acabado de ouvir a respeito da
crucificação e morte de seu Senhor, do negar a si mesmos e dos
sofrimentos aos quais teriam de sujeitar-se, se desejassem ser salvos.
Agora foram animados por meio de uma breve contemplação “da glória que
os seguiria” (1Pe 1.11) e da recompensa que todos os fiéis servos de
Cristo um dia receberiam. O Senhor lhes fizera ver o dia de sua própria
fraqueza; agora estavam contemplando, por alguns minutos, uma amostra de
sua glória futura.
Devemos nos fortalecer com o pensamento
de que para todos os verdadeiros crentes encontram-se entesouradas
coisas boas, que compensarão as aflições do tempo presente. Agora é o
tempo de tomar a cruz e compartilhar da humilhação de nosso Senhor. A
coroa, o reino e glória ainda estão por vir. No presente, Cristo e seu
povo, assim como Davi, encontram-se na caverna de Adulão, desprezados e
considerados insignificantes pelo mundo. Parece não haver beleza e
formosura nEle e em sua obra. Mas vem a hora, e será em breve, quando
Cristo exercerá seu grande poder, reinará e colocará os inimigos debaixo
de seus pés. Então, a glória que, durante alguns minutos, foi vista
apenas por três discípulos no monte da Transfiguração será contemplada
por todo o mundo e não será mais ocultada por toda a eternidade.
Em segundo, esta passagem nos mostra a segurança de todos os verdadeiros crentes que partiram deste mundo.
Quando nosso Senhor apareceu em glória, Moisés e Elias foram vistos em
pé ao seu lado, conversando com Ele. Moisés morrera havia mais de quinze
séculos. Elias fora levado ao céu em um redemoinho há mais do que
novecentos anos antes deste acontecimento. No entanto, estes dois homens
crentes foram vistos novamente, vivos e, não somente vivos, em glória.
Devemos nos consolar no bendito
pensamento de que a ressurreição e a vida futura são realidades. Tudo
não acaba quando morremos. Existe outro mundo além desta vida. Mas,
acima de tudo, devemos nos fortalecer com o pensamento de que até que o
dia amanheça e aconteça a ressurreição, o povo de Deus está seguro na
companhia de Cristo. Muitas coisas a respeito da atual condição deles
são profundamente misteriosas para nós. Em que lugar específico está a
habitação deles? O que eles sabem a respeito das coisas que acontecem na
terra? Estas são perguntas que não podemos responder. Mas para nós deve
ser o bastante saber que Jesus está cuidando deles e os trará
juntamente consigo no último dia. Aos seus discípulos Ele mostrou Elias e
Moisés, no monte da Transfiguração, e nos mostrará, em sua segunda
vinda, todos os que já morreram em Cristo. Nossos irmãos em Cristo estão
sendo bem preservados; estão salvos e apenas nos antecederam.
Em terceiro, esta passagem nos mostra que os santos do Antigo Testamento que estão na glória se interessavam intensamente na morte expiatória de Cristo.
Quando Moisés e Elias apareceram em glória ao lado de Cristo, no monte
da Transfiguração, conversaram com Ele. E qual era o assunto da
conversa? Não precisamos fazer suposições e imaginar coisas a respeito
disto. “Falavam da sua partida, que ele estava para cumprir em
Jerusalém.” Conheciam o significado daquela morte. Sabiam quantas coisas
dependiam da morte de Cristo. Portanto, “falavam” a seu respeito.
É um grave erro supor que os crentes do
Antigo Testamento nada sabiam no que se refere ao sacrifício que Cristo
deveria oferecer pelos pecados dos homens. Sem dúvida, a luz que
possuíam era menos nítida do que a nossa. Viam à distância e sem clareza
coisas que vemos como se estivessem bem próximas aos nossos olhos.
Porém não existe a menor evidência de que os crentes do Antigo
Testamento olhavam para qualquer outra satisfação dos seus pecados,
exceto aquela que Deus prometera realizar, ao enviar seu Messias. Desde
Abel em diante todos os crentes do Antigo Testamento parecem ter
descansado na promessa de um sacrifício e de um sangue de onipotente
eficácia que ainda se manifestaria. Desde o começo do mundo, sempre
existiu tão-somente um fundamento de esperança e paz para os pecadores —
a morte de um poderoso Mediador entre Deus e os homens. Este fundamento
é a verdade central de todo o cristianismo. Foi o assunto a respeito do
qual Moisés e Elias estavam conversando, quando apareceram em glória.
Falavam sobre a morte de Cristo.
Observemos que a morte de Cristo é o
alicerce de toda a nossa confiança. Nada mais nos outorgará conforto na
hora da morte e no Dia do Juízo. Nossas próprias obras são imperfeitas e
defeituosas. Nossos pecados são mais numerosos do que os cabelos de
nossa cabeça (SI 40.12). A morte por nossos pecados e a ressurreição de
Cristo em favor de nossa justificação têm de ser a nossa única garantia,
se desejamos ser salvos. Feliz é aquela pessoa que aprendeu a cessar
suas obras e a se gloriar unicamente na cruz de Cristo! Se os crentes na
glória veem na morte de Cristo tanta beleza, que sentem necessidade de
conversar sobre ela, quanto mais deveriam fazê-lo os pecadores na terra.
Por último, esta passagem nos mostra a
imensa distância que existe entre Cristo e todos os outros ensinadores
que Deus outorgou à humanidade. Lucas nos conta que Pedro, “não sabendo…
o que dizia”, propôs fazerem “três tendas”: uma seria para Jesus,
outra, para Moisés, e outra, para Elias; como se os três merecessem a
mesma honra. Mas esta proposta foi imediatamente censurada de maneira
notável: “Veio uma voz, dizendo: Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele
ouvi”. Aquela era a voz de Deus, o Pai, reprovando e instruindo. Aquela
voz proclamou aos ouvidos de Pedro que, embora Moisés e Elias fossem
grandes, ali estava Alguém que era maior do que eles. Moisés e Elias
eram apenas súditos, Jesus era o Filho do Rei. Eles eram apenas pequenas
estrelas; Jesus era o Sol. Eram apenas testemunhas; Jesus era a própria
verdade.
Estas solenes palavras do Pai devem
sempre ecoar em nossos ouvidos e tornarem-se o conceito fundamental de
nosso cristianismo. Honremos os ministros do evangelho por amor ao
Senhor deles. Sigamos os seus ensinos até ao ponto em que eles seguem a
Cristo. Entretanto, nosso principal objetivo deve ser ouvir a voz de
Cristo e O seguir por onde quer que Ele vá. Outros podem ouvir a voz da
igreja e se contentarem em dizer: “Escuto este ou aquele pastor”. Jamais
nos sintamos satisfeitos, a menos que o Espírito Santo testifique em
nosso coração que ouvimos a voz do próprio Cristo e somos discípulos
dEle.
Fonte: J. C. Ryle, Meditações no Evangelho de Lucas (Editora Fiel), p. 151-153.
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